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quarta-feira, 17 de junho de 2020

PARA TI, PARABÉNS

Imagem do Google
Para ti parabéns que fazes anos
Mil foguetes velas e doçaria
Dédalos de sonhos ou desenganos
Passagens consentidas de porfia

Não são dias assim que são insanos
Nem são festas também pois quem diria
Nem viver é somente somar danos
Quando o Sol sempre nasce por magia

Dos traços indeléveis da lembrança
Decorrem deslumbradas ilusões
Dos teus trinta mais seis de longa trança

a temer já sem medo as emoções
a correr sem ter pressa da tardança
alegórico som de sedições

MANUEL BRAGANÇA DOS SANTOS - Junho de 2020

Salvé,19 de Junho de 2020


segunda-feira, 8 de junho de 2020

A RAPARIGA DOS RUBROS SILÊNCIOS

No campo, respira-se o ar lavado dos grandes espaços abertos; escuta-se a enigmática musicalidade do vento, o som melódico dos regatos, o coro dos passarinhos, a sinfonia perfumada das flores silvestres, a subtil leveza das colinas; no campo, sente-se a envolvência aveludada dos prados, a sombra sensual do arvoredo e o sedoso toque da brisa

No campo, ainda há quem fale com a terra e oiça, com espanto, o silêncio dos frutos. No campo, vive Laurinda, a rapariga de todos os encantos e desejos. Ela viaja pelo sonho, nas asas da fantasia, sob o Sol do seu ardente coração, como fazem os rios sem margens

Hoje, toda a aldeia está lá, no prado das cerejeiras vergadas pelo ímpeto dos frutos carnudos e vermelhos. A colheita é sôfrega, lasciva, extenuante. Os gigos enchem-se em torno dos troncos. Laurinda já não sonha e refugia-se no silêncio, respondendo, triste, magoada mas decidida, pela incumbência da Natureza. Vai dividindo a atenção, também, com um outro gigo colocado muito próximo de si. No seu interior, embrulhada numa manta fresca e limpa, dorme, inocente, a filha recém-nascida

Desde a última colheita que Martinho não mais procurou Laurinda. Esta vive de coração apertado e chora às escondidas. Contudo, não dá a face, enfrenta a adversidade. Doce, bela e jovem, só através dos seus grandes olhos verdes, deixa transparecer a angústia que lhe dilacera a alma. Faz hoje dezoito anos, mas ninguém se lembra do seu aniversário

Pelo lusco-fusco, são estendidas séries de lâmpadas coloridas entre as cerejeiras e a ramada lateral; não faltam os petiscos habituais e o vinho regional... e a música tocada de improviso. No centro, sob o brilho prateado das estrelas, os pares rodopiam ao som da concertina; no círculo dos mais velhos, as crianças buscam o aconchego das mães

De repente, Laurinda ergue-se com o bébé ao colo, discreta
; entra na roda e ensaia uns passos de dança. Todos lhe sorriem e lançam gracinhas à criança. Agora, a concertina rasga a noite com o seu gemido cortante, magoado e nostálgico

Martinho, então, aproxima-se, resoluto, entra na roda, envolve a rapariga e a filha num abraço largo e sentido, beijando a jovem com carinho.

CONTO de MANUEL BRAGANÇA DOS SANTOS - 1 de Maio de 2019